A depressão é a principal doença mental, causando mortes e desabilidades no mundo todo. Precisamos entender as possíveis causas psicológicas da depressão, e o que a pessoa pode fazer para sair gradativamente da depressão.
A mãe de João, cujo nome é fictício, teve depressão pós-parto e um novo episódio depressivo 15 anos depois. O pai dele era um tanto melancólico, sempre reclamando da vida. João cresceu numa família sem grandes conflitos, mas num clima de tristeza e queixas que predominavam na sua casa. Na vida adulta, depois que ele se casou, apresentou um episódio depressivo quando esperava ansiosamente uma promoção e esta não aconteceu. Chegou a perder alguns dias de trabalho por conta dos sintomas de desânimo, apatia, insônia, perda da vontade de fazer as coisas, queda do apetite e ideias pessimistas constantes. João se submeteu a um tratamento com um psiquiatra, usou alguma medicação por poucos meses e fez também um tratamento psicoterápico e saiu do estado depressivo.
Causas da Depressão
O que vemos nesse breve relato clínico sobre as influências na vida de João, que favoreceram o surgimento do episódio depressivo nele? Primeiro tem que ver com o fator genético. A mãe de João teve episódios depressivos importantes. Genética não é tudo, mas influi biologicamente no comportamento dos descendentes. O cientista Charles Nemeroff, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Miami, especializado no tratamento da depressão diz:
Na causa da depressão unipolar existem cerca de 40% de fatores genéticos e 60% de fatores ambientais.1)C. B. Nemeroff, 2003
Um segundo fator favorecedor do surgimento da depressão em João, tem a ver com o ambiente familiar, com forte tendência para a melancolia, reclamações e uma visão negativa da vida, por parte do seu pai.
Outros cientistas como Kenneth Kendler, professor de genética humana e diretor do Instituto de Psiquiatria e Genética Comportamental da Universidade Commonwealth da Virgínia, Estados Unidos, tem verificado que, apesar da importância do fator genético para muitas enfermidades mentais, isso não é preponderante ou determinante. E o Dr. Kendler é um especialista em estudos dos fatores genéticos em psiquiatria. Seus estudos se concentraram bastante nos fatores genéticos da esquizofrenia.
Para ele, o fator preditor ou prenunciador mais importante no aparecimento de doenças mentais de um ser humano não é a genética, mas a existência de eventos estressantes na vida do indivíduo, junto com problemas interpessoais e um temperamento com tendência a um neuroticismo. A palavra neuroticismo tem a ver com pessoas que vivem cultivando pensamentos pessimistas negativos, sempre de mau humor, preocupadas demais, queixosos de tudo.
Então, podemos ver que na história clínica de João, todos esses fatores, inclusive a genética, estão presentes, mas uma coisa importante que mais tarde o Dr. Kendler e colaboradores descobriram sobre a causa da depressão, foi que a sensibilidade aos efeitos dos eventos estressantes da vida que leva ao estado depressivo, parece estar sobre um controle genético, ou seja a genética não induz à depressão, mas existe um controle feito pela genética do indivíduo quanto à maneira como ele reage aos eventos estressantes da existência.
As pesquisas do Dr. Kendler e equipe, verificaram que nas pessoas que tinham um risco genético maior para depressão, vivendo naquele momento sem fatores estressores importantes, a chance de ter depressão era só 1,1%, mas, na presença de significativo estresse naquela época da vida, o risco aumentava para 14,6%. Sabe quais foram os fatores estressores mais frequentes como disparadores do surgimento de depressão nas pessoas sensíveis do estudo desse cientista? Foram os seguintes:
- Morte de um parente próximo
- Agressão
- Conflitos conjugais graves
- Separação e divórcio.
Esses cientistas que mencionei, admitem que sofrimentos emocionais bem precoces na primeira infância, a negligência dos cuidadores para com a criança ou a separação, podem gerar um tipo de sensibilidade neurobiológica, o que predispunha as pessoas a reagirem aos fatores estressores da vida adulta através da depressão. A escritora americana Ellen White já escreveu sobre isso na virada do século 19 para o século 20:
Acima de quaisquer dotes naturais, os hábitos estabelecidos nos primeiros anos decidem se a pessoa será vitoriosa ou vencida na batalha da vida.2)E. G. White, Orientação da Criança, pág. 203, Casa Publicadora Brasileira
Então, veja como é importante a história da infância das pessoas. Alguns tipos de abusos sofridos pelas crianças na infância, aumentam a chance de surgir depressão na vida adulta. Por exemplo, o abuso físico, como espancar a criança; o abuso sexual, como estupro, incesto, molestação da criança. A negligência dos cuidados básicos para com elas não as estimulará com abraços, beijos, palavras amáveis. Tudo isso cria um clima emocional na mente da pessoa, que lá na frente ao cair no estado depressivo, quando algum fator gatilho acontecer, algum evento traumático da vida adulta ocorrer, poderá desencadear a depressão.
Mulheres que foram vítimas de abuso ou outros maus cuidados emocionais durante a infância, têm duas vezes mais possibilidades de ter atitude de desrespeito pessoal, de depreciação de si mesmas e repetição de relacionamentos complicados na vida adulta, quando comparadas com as mulheres sem esses sofrimentos no passado. As que tiveram histórias desses problemas na infância, apresentam na vida adulta dez vezes mais probabilidade de sofrer depressão.3)Brown e Eales, 1993; Bifulco et al. 1998
No exemplo citado no início, João teve um episódio depressivo disparado por uma grande frustração no trabalho. Porém ao analisarmos o histórico emocional dele, ou seja, ao entender a história da família de origem de onde ele veio, vimos que ele havia nascido num lar com predomínio de melancolia, tristeza e reclamações de seu pai sobre a vida, e a mãe que passou por uma depressão pós-parto e uma recaída de depressão anos depois. Além disso, João tem um temperamento sensível, o que favorece a melancolia diante de situações desalentadoras. A sua depressão não foi causada pela não promoção no trabalho. A frustração na empresa onde trabalhava foi o fator desencadeador, o fator gatilho do estado depressivo.
O Caminho da Cura
Você pode perguntar: de que adianta entender todas essas coisas? Bom adianta muito. Lembra da frase dita por Cristo, “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”?4)A Bíblia, João 8:32
Quando João entendeu que: primeiro, que ele tinha uma sensibilidade emocional que o empurrava para tristeza. Segundo, que ele havia vivido num ambiente familiar quando menino em que predominava tristeza e o estado depressivo da mãe, ele compreendeu que precisaria lutar contra essa tendência melancólica, perdoar seu pai pelo modelo pessimista que lhe passou, e aceitar que a sua mãe não pôde lhe dar a melhor assistência na infância por causa dos episódios depressivos que ela sofreu.
João entendeu que algumas coisas precisariam ser feitas em relação à tendência de ficar triste facilmente: Primeiramente ele precisaria observar que tipo de pensamento vinha à sua mente com mais frequência, e detectar os pensamentos negativos pessimistas de derrota, e evitando assim que esses pensamentos dominassem a sua mente.
Ele também aprendeu no tratamento psicológico que necessitava resistir aos sentimentos de tristeza, não focando neles, mas olhando a sua vida atual, e vendo as boas coisas dela, as bênçãos, cultivando e manifestando gratidão por tais coisas. Se João não fizesse isso, não trabalhasse em sua mente contra a tendência melancólica, não se deixando focar nos pensamentos derrotistas e pessimistas, provavelmente a medicação antidepressiva funcionaria por um tempo, melhorando o humor triste, mas depois não mais faria efeito. Porque que ele permaneceria deixando predominar em sua mente os sentimentos tristes e os pensamentos negativos.
Por isso uma pergunta importante para uma pessoa que se trata de depressão é: O que você está fazendo com a sua mente, com sua vida, com seus pensamentos, com suas emoções, e com seus relacionamentos, sem ter que tomar remédio para a depressão?
Dimensões da Depressão
Depressão é uma reação mental a perdas e frustrações, traumas, violência, abusos, e que tem também uma dimensão física e espiritual. Ou seja, pessoas deprimidas que se alimentam mal, não praticam atividades físicas, são sedentárias, vivem em ambiente com muita poluição do ar, podem ter mais dificuldade de obter recuperação comparadas com pessoas deprimidas, que se esforçam para praticar exercícios físicos, que decidem usar uma alimentação saudável vegetariana e que convivem o mais perto possível da natureza. Também pessoas deprimidas que possuem uma fé religiosa e pratica essa religião, elas têm melhores recursos internos mentais para lidar com o momento depressivo difícil que estão vivendo.
Voltando aos aspectos psicológicos que contribui para o estado depressivo, uma coisa importante também para entendermos as causas da depressão, é a maneira como cada indivíduo reage a um evento estressor. O mesmo problema – como a separação dos pais – atinge um filho de um jeito e o outro filho de outro jeito diferente. Os familiares, amigos e profissionais que lidam com a pessoa deprimida necessitam compreender que aquilo que pode parecer um trauma fácil de resolver e leve para eles, pode ter um significado muito forte para o deprimido, não sendo nem fácil e nem rápido para o indivíduo com depressão sair dela.
Como Tratar uma Pessoa Depressiva
Glen Gabbard é professor clínico de psiquiatria da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston,Texas. Ele também é analista de treinamento e supervisão do Centro para Estudos Psicanalíticos em Houston, além de atuar no Gabbard Center, ele comenta sobre como se lida com o paciente deprimido:
Talvez o erro mais comum, tanto de membros da família quanto de profissionais de saúde mental iniciantes, seja tentar animar o paciente deprimido enfocando positivamente comentários como: “Você não tem motivos para estar deprimido”, “você tem qualidades tão boas” ou “porque se suicidar?” “Há muito para se viver!” provavelmente tem o efeito oposto do pretendido. Esses comentários “animadores” são experienciadas pelos pacientes deprimidos como falhas profundas de empatia, que os levam a se sentir ainda menos compreendidos e mais isolados, e portanto mais suicidas.5)Gabbard G. Psicoterapia Psicodinâmica na Prática Clínica. Artmed, 2016
Ou seja, se você não escutou o desabafo da pessoa deprimida, se logo que ela começa a falar do sofrimento dela, você logo usa essas frases, mesmo na tentativa de ajudar, isso chega para ela como falta de compaixão, falta de entendimento da dor dela, criando nela mais desesperança, mais sensação de solidão, o que pode piorar tudo.
Se você quer ajudar uma pessoa deprimida, então primeiramente deixe ela falar, deixe desabafar. Apenas escute com atenção, olhando para ela e não se distraindo com outra coisa, mas se concentrando no que ela diz, de maneira que veja que você está realmente ali com ela. Até o Salomão fala disso na Bíblia:
Tudo tem o seu tempo determinado,… há tempo de chorar e tempo de rir,… tempo de estar calado e tempo de falar.6)A Bíblia, Eclesiastes 3:1,4,7 (ARC)
Eclesiastes 3:1,4, 7.
Essas frases podem ser usadas quando uma pessoa deprimida precisa desabafar e você quer ajuda-la: “Pôxa, deve existir algo em sua vida que te deixa sofrendo assim né?” Pode falar: “Me diga como você se sente, que eu estou aqui para escutar.” “Deve ser tão ruim sentir essa tristeza né? Você quer me contar alguma coisa sobre ela?”.
Em seguida, após usar comentários que passam para o deprimido a sua intenção de ajudar, você pode e precisa convidá-lo para participar do processo de ajuda, perguntando por assim, por exemplo: “Eu quero te ajudar, então vamos pensar no que pode estar causando a dor emocional em você. Me fale um pouquinho, eu vou te escutar”. Assim você convida a pessoa a falar, pois só assim será possível compreender o que está acontecendo dentro dela. Um profissional atendendo uma pessoa deprimida irá procurar avaliar com cuidado, que fator estressor, ou fatores, contribuem para desencadear a depressão. o Dr. Gabbard comenta o seguinte:
O estressor envolveu humilhação e perda? Trouxe de volta as perdas ou os traumas do início da infância? Qual foi o significado particular do estressor para o paciente?7)Gabbard G. Psicoterapia Psicodinâmica na Prática Clínica. Artmed, 2016
O profissional que atende o deprimido vai querer saber o que o paciente associa ao fator ou fatores que ele diz que parece ter desencadeado o estado depressivo. O Dr Gabbard, dá um exemplo de pergunta a ser feita para o paciente, e que você familiar pode pensar e fazer também ao seu parente deprimido, que seria assim:
O evento que a pessoa diz que gerou depressão traz a lembrança de outros sentimentos, pensamentos ou fantasias que estiveram presente na mente do paciente? 8)Gabbard G. Psicoterapia Psicodinâmica na Prática Clínica. Artmed, 2016
Daí encorajamos a pessoa a falar disso. Falar para uma pessoa atenta que quer ajudar, não só pode aliviar o deprimido, o portador de outro sofrimento, mas também trazer à luz a verdade da vida que têm a ver com o sofrimento, como serve para revelar que as causas não são as que se pensava que fossem.
Encontrando o Significado
A doutora Constance Hammen, professora de psicologia da famosa UCLA ou Universidade da Califórnia Los Angeles, verificou que o mais importante para conduzir uma pessoa ao estado depressivo não é necessariamente o evento ocorrido, por exemplo a morte de uma pessoa querida, a demissão do emprego, o divórcio, mas a interpretação que a pessoa dá do significado do fato ocorrido.
Segundo suas pesquisas, os eventos traumáticos ocorridos na vida da pessoa, se eram ligados ao que para a pessoa era seu self, seu eu, tinham mais chance de conduzir ao estado depressivo. Ou seja, a doutora Constance verificou que uma pessoa cujo senso de self, de seu eu, de ser uma pessoa, um ser humano sobre o ponto de vista psicológico, com o senso de ser uma identidade, de estar na existência como indivíduo; então, quando esse senso de self é parcialmente definido por suas conexões sociais, o rompimento de uma relação afetiva importante para aquela pessoa pode desencadear uma depressão. E quando este mesmo senso de self no sentido de auto valor está conectado com realização acadêmica ou em outro trabalho, existe maior possibilidade de surgir uma reação depressiva diante de um aparente fracasso profissional.
Por isso é importante você cultivar uma noção de valor pessoal, não baseado no sucesso econômico, acadêmico e profissional, mas por ser um ser humano, uma criatura de Deus. Você é a única pessoa nesse mundo com essas características. Não há ninguém igual a você, nem mesmo se você tiver um irmão ou uma irmã gêmea. A sua importância a que ver com o fato de que o Deus Criador pensou em você existir e permitiu que você viesse à luz, e mantém a sua vida a cada milésimo de segundo. Pense nisso.
Então, quando uma pessoa do ponto de vista afetivo, se vincula à outra exageradamente, quando ela se apega demais a outro indivíduo para se sentir alguém, ela se coloca automaticamente nas mãos do outro para ter uma noção de valor pessoal. Isso é perigoso. E se essa pessoa vai embora? E se o indivíduo a quem você se apegou demais morrer primeiro que você? Por isso, uma pergunta que a pessoa deprimida precisa fazer em algum momento para si mesma a fim de melhorar, não é quem ela perdeu que a deixou deprimida, mas sim o que ela perdeu nessa perda. Qual o significado da perda que ela está vivendo?
Conclusão
O Dr. John Raymond Peteet, psiquiatra da Universidade Harvard, EUA, comentou o seguinte sobre depressão:
A depressão é um grande problema de saúde pública no mundo todo, incluindo como fator contribuinte para o suicídio. Em comparação com o direto pesar após uma perda, frequentemente ela envolve uma interação dinâmica entre vulnerabilidades biológicas e psicológicas, fatores ambientais e aspectos espirituais da pessoa.
Um dos maiores desafios em resposta à depressão é reconhecer como ela distorce a visão da pessoa sobre si mesma e do mundo. Por exemplo, uma pessoa deprimida pode se sentir sem esperança e justificada em seu pessimismo e medo, ou desajustada quando as opções parecem limitadas e se sentir fora de controle. Se ela é insegura, se sente sem valor como pessoa. Indivíduos severamente deprimidos frequentemente sentem culpas e são incapazes de encontrar perdão. Tudo isso pode os fazer desistir de coisas que costumávamos achar significativas, sentir se desconfortáveis em torno de outras pessoas e isolar-se.
Reconhecer que alguém não está vendo a vida claramente por causa da depressão é um passo importante. Identificar o que faz a pessoa vulnerável para a depressão em um dado momento pode ajudá-la a reavaliar prioridades. Terapias como TCC, a terapia cognitivo-comportamental podem ajudar indivíduos deprimidos a distinguir o que é pensamento razoável e o que não é, e a tomar atitudes os que proteja contra uma posterior recaída. Recursos espirituais que oferecem esperança, comunidade e perdão podem fazer parte desse processo de recuperação.
Ao invés de pensar em depressão como estado temporário de humor ou como uma fraqueza moral, é mais útil pensar nela como uma presença recorrente, mas potencialmente gerenciável na vida de alguém. Recomendo um curto vídeo online da Organização Mundial da Saúde, chamado: “Um cachorro preto chamado depressão”, o qual oferece uma série de sugestões para desenvolver um relacionamento com seus próprios cachorros pretos.
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Dr. Cesar Vasconcellos de Souza está trabalhando como psiquiatra e palestrante internacional. É autor de 3 livros, colunista da revista de saúde “Vida e Saúde” há 25 anos, e tem programa regular na TV “Novo Tempo”. Acesse mais conteudos no canal de Youtube.
Referências
↑1 | C. B. Nemeroff, 2003 |
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↑2 | E. G. White, Orientação da Criança, pág. 203, Casa Publicadora Brasileira |
↑3 | Brown e Eales, 1993; Bifulco et al. 1998 |
↑4 | A Bíblia, João 8:32 |
↑5, ↑7, ↑8 | Gabbard G. Psicoterapia Psicodinâmica na Prática Clínica. Artmed, 2016 |
↑6 | A Bíblia, Eclesiastes 3:1,4,7 (ARC) |
Vera diz
Muito bom!
Licinilda diz
Gostei muito como esse tema foi abordado .
Obrigada por me enviar.
Lucas libarino diz
Acho que devo fazer pisicologia , fatores que já sabia que eram gatilhos para depressão, sem pesquisas e nen estudos…
Martin Neumann diz
Então tem uma boa intuição
Shirley diz
Ótima explicação