Porque ficamos muitas vezes cegos perante nossos próprios defeitos? A causa disso pode ser a seguinte: nos tornamos aquilo que nos causa menos dor. Eu vou repetir: nos tornamos aquilo que nos causa menos dor. Mas como entender o fato de que pessoas autoritárias, abusivas, se tornam o que causa menos dor nelas? Vamos pensar nisso agora.
Para compreendermos isso, é preciso pensar na história da pessoa. De que tipo de família ela veio? Havia boa comunicação entre os membros da família, ou se falava pouco? Manifestava afeto com abraços, beijos, elogios, ou eram pessoas sem expressão nos sentimentos? Havia problemas com álcool e outras drogas, separação, violência, ou eram pessoas sóbrias, sem uso de bebidas alcoólicas ou outros entorpecentes? Havia harmonia conjugal e sem violência? Além das características psicológicas da família como um todo, outro fator que faz a diferença na maneira como nos tornamos como pessoas tem a ver com a sensibilidade pessoal.
Você é alguém muito sensível às críticas, carente, passivo, sem saber se proteger, vítima de bullying, ou alguém proativo, que coloca limites firmes, mais racional, mais resistente às frustrações? Alguns têm lutas piores em sua mente do que outros. Muitas crianças nascem com melhores defesas contra traumas do que outras. Eu acho isso injusto, mas é a realidade. Eventos traumáticos iguais de uma família produzem reações diferentes nos diferentes membros dela.
Por quê? Porque cada um tem uma sensibilidade diferente. Mesmo gêmeos idênticos não são iguais sob o ponto de vista da personalidade. Cada um se torna automaticamente, quanto à personalidade, aquilo que causa menos dor. Só que pode não se tornar uma pessoa saudável, equilibrada, madura nos seus relacionamentos humanos. Isso que nos tornamos até agora e que nos causa menos dor é uma defesa da dor que vivemos ao longo da infância e da adolescência.
O problema é que geralmente somos cegos, em parte, para ver como procedemos como pessoa. Pior que isso, podemos negar que temos problemas quando as pessoas nos dizem que temos e quando elas estão certas. Essa negação de nossos problemas de comportamento faz parte da defesa que usamos para não olhar para o comportamento ruim que temos e que negamos ter.
Nos acostumamos a agir desse jeito que agimos hoje, e queremos ficar na zona de conforto, sem ter que olhar para o que precisa ser mudado em nós. Talvez só começamos a pensar que temos algum problema de caráter, de comportamento, quando chegamos no fundo do poço. Fundo do poço pode ser o divórcio, a demissão no trabalho por erros pessoais, uma sentença de prisão, uma overdose de uma droga que pode nos levar beira da morte, e tantas outras coisas.
Então, como enxergar a nossa defesa que produz comportamento ruim e adotar um novo papel para agirmos melhor conosco mesmo e com as outras pessoas? Não tem fórmula mágica para isso. Cada um precisará decidir querer mudar, querer ver a si mesmo e fazer esforços para investir no auto crescimento. Isso é algo totalmente pessoal; não podemos forçar uma pessoa a mudar se ela não quer.
Quero compartilhar com você uma história de muita gente. Talvez você se enquadre nela, pois ela é realmente muito encontrada em pessoas de qualquer raça, credo, posição socioeconômica, denominação religiosa ou filosófica.
Um marido sereno vive com uma esposa difícil, autoritária. Ela veio de uma família em que a mãe era autoritária e sabia agredir com palavras o marido. Essa mulher aprendeu com a sua mãe a ser mandona. Na infância, ela sofria ao ver discussões entre os pais. Ambos a amavam, mas a mãe, apesar de abusiva verbalmente com o marido e outras pessoas, manifestava proteção e afeto para com a filha. Apesar do pai ser mais afetuoso, a filha idealizou a mãe. Idealizar é colocar uma pessoa no altar e a ver como perfeita, fechando os olhos para os defeitos dela.
Por que essa filha jogou para baixo do tapete da consciência as atitudes agressivas da mãe para com o pai, e manteve na mente uma adoração da mãe? É porque o saldo de afeto da mãe era maior do que o saldo de afeto do pai para com ela. O que a mãe autoritária fez por ela de bom encobriu a sua visão sobre os defeitos de caráter da mãe. É como uma câmera de filmagem que você tira o foco de uma cena e coloca em outra. A cena anterior, onde estava o foco, estava ali, ou seja, a atitude agressiva da mãe era real, mas a filha precisava mudar o foco para ver somente o lado afetivo da mãe.
Essa filha se tornou adulta, veio repetindo o lado ruim da mãe, se casou com um marido sereno, meio como o pai, e passou a ter problemas conjugais. Porque não é possível zerar o nosso passado de modo que nada dele influencie o nosso presente em nossas relações com a família e com outras pessoas.
Então, esse comportamento bom e ruim dela é o melhor que ela conseguiu ter na vida até agora. Se ela ainda precisa ver a mãe de forma idealizada, é muito, muito doloroso para ela quando o marido ou qualquer outra pessoa, mesmo com boas intenções, queira mostrar a ela os defeitos da mãe e explicar que ela copiou e repete as mesmas coisas agora. Ela tende a rejeitar comentários assim e se estressa com isso, porque tais comentários podem chegar para ela como um desmonte da idealização. É como tirar as estacas que seguram uma laje que ainda não está pronta para ficar sem o apoio.
Quando tocamos na ferida de outra pessoa, falando sobre os defeitos de comportamento dela, se ela não estiver pronta para ver, os nossos comentários chegarão como crítica negativa, e não como ajuda. Quando você faz uma observação sobre alguma atitude ruim de uma pessoa que não quer se ver, ao invés dela escutar o que você disse, e pensar: “Poxa, você tem razão”, ela vai ouvir a sua fala como crítica, e o foco dela ficará em você e não nas falhas dela. Isso é uma defesa, é uma fuga da verdade, e só ela poderá, em algum momento da vida abrir mão dessa defesa se olhar para si mesma de forma honesta e ver seus defeitos de caráter.
Quando a pessoa abusiva tiver uma atitude ruim com você, fique quieto, não discuta, faça o que a sua convicção diz que é para fazer sem se submeter ao comportamento abusivo dela, mas fique quieto. Esse silêncio seu será a oportunidade de Deus chegar na mente dela e mostrar o erro.
Entenda que eu não estou dizendo para você se submeter ao controle da pessoa autoritária. Não é isso. Estou dizendo para você fazer o que é o certo, mas não discutir, não apontar o erro dela. Esse silêncio poderá ser curador. Primeiro, porque você vai parar de se estressar com alguém que não está querendo se ver e mudar. E segundo, porque, já que você não discute mais, não tenta mais mostrar os erros dela e, você fica na sua e se protege, ela não pode manter o jogo neurótico de ficar pensando e falando que você é crítico, sem aceitar que a sua crítica tem fundamento verdadeiro. Você desmonta isso pelo silêncio, não desrespeitoso, mas auto protetor no lidar com uma pessoa ainda difícil.
A gente se torna aquilo que causa menos dor. Ao virmos que nosso jeito de ser produz dor nos relacionamentos, é sábio olhar nosso comportamento com humildade, ver o que está errado e lutar para corrigir. Isso é algo grandioso; é maturidade; é humildade.
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Dr. Cesar Vasconcellos de Souza está trabalhando como psiquiatra e palestrante internacional. É autor de 3 livros, colunista da revista de saúde “Vida e Saúde” há 25 anos, e tem programa regular na TV “Novo Tempo”. Acesse mais conteudos no canal de Youtube.
Nicoly diz
Poxa precisava mesmo ler isso. Sua vida foi e está sendo usada por DEUS.
Edmilson Ricardo de Camargo diz
Poxa isso foi libertador para mim em todos os aspectos, vejo isso como uma via de mão dupla; ou seja me vejo nos dois lados da situação, penso que ser humano é exatamente isso. Agora é discernir em que papel estou a cada momento e agir de acordo, sempre se alisando e não o outro.
DEUS Abençoe!